quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Corpo Mítico e Ritual

Se há uma coisa pela qual a civilização grega antiga é recordada e dita memorável é pelo seu corpo mítico. O mito é uma constante não só na vida cultural, mas também na vida política e religiosa dos povos gregos. No contexto reconstrucionista essa ferramenta não foge a regra e é um importante e instrumento de conhecimento e pesquisa. É no mito que são narradas as principais informações que temos sobre os deuses, seus aspectos, peculiaridades e culto. Porém, é preciso salientar conforma explica KERÉNY (2005) que nem todo mito é de esfera religiosa.

Além de seu uso religioso o mito também tinha um campo de atuação social e educativa. O mito poderia ser usado não só para ensinar sobre os deuses, mas também por conseqüência ensinar sobre a ordem da cidade, as funções de cada classe social, normas de comportamento e conduta, valores, o porquê das coisas. Em sua essência a palavra mito vem de mýthos, que pode ser traduzido como ‘verdade’. Sendo assim, o mito é a explicação para uma coisa de acordo com o conhecimento do homem sobre aquele determinado objeto.

Muitos dos festivais têm mitos que lhe são relacionados, ou de onde pode-se retirar uma nítida analogia. Mas nem sempre é o mito que dá origem à festividade. BURKERT analisando alguns contextos afirma que quase sempre é o rito em si que dá origem ao mito. Porém discutir esse velho questionamento de “quem veio primeiro:o ovo ou a galinha?”, ou no nosso caso, o mito e o rito, não leva alugar algum nessa reflexão sobre o papel do mito no campo religioso helênico. Pode-se fazer uma observação mais próxima e dizer que cada caso é único, ou simplesmente considerar que mito e rito são aspectos que dialogam e confluem no contexto religioso, sem qualquer dúvida.

Porém não podemos considerar o mito como única fonte de informação e tampouco considerá-lo como a forma mais isenta de informação sobre os deuses ou sobre os rituais religiosos. É bastante freqüente que haja mais de uma versão para um mesmo rito de acordo com a intenção daquele que o conta, nem por isso uma versão ou outra deixa de ser possível ou errônea. Isso pode ser nitidamente observado analizando o mito de Dioniso. Algumas versões dão-Lhe por mãe a princesa Sêmele, em outras versões a mãe é Persephone, unida a Zeus em forma de serpente, e em outros versões a Sua mãe também é dita como Deméter. É preciso considerar que no cenário mitológico os deuses têm aspectos que lhe são propícios, muitas vezes funcionando como símbolos para um simbolismo que é comum à sociedade, mais ou menos num sistema metonímico onde se troca o significado pelo significante. Então assim Deméter passa a ser símbolo para um determinado aspecto da vida e da natureza e Dioniso passa a ser interpretado como filho desse aspecto. Essas construções de significados podem parecer controversas, mas é preciso que se tome como parâmetro sempre o que sabemos a respeito do pensamento da época e não o pensamento ou o contexto atual.

“A religião está naquilo que se faz, não no que se diz” ( NIKASIOS, 2008) e no contexto da religião e religiosidade helênica, onde não há dogmas isso se faz mais presente ainda. A Odisséia, a Ilíada ou os Hinos Homéricos e Órficos são obras literárias que em muito contribuem para o conhecimento dos deuses, mas não devem ser tomadas como uma espécie de testamento dos deuses sobre o seu culto ou exercício religioso. São sim fontes de informação que em muito contribui para o conhecimento a cerca da teologia e cosmologia gregas, mas não devem ser tomadas como verdades únicas e invioláveis. Além deles há outras informações, como os registros pictóricos, papiros e outras informações frutos de pesquisas e investigações que também devem ser consideradas e respeitadas, ainda mais quando consideramos que um rito ou mito pode ser contado ou festejado de formas diferentes em uma polis ou outra.

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