terça-feira, 19 de abril de 2011

Hellenismos: Rituais para Crianças

Confesso que fiquei surpreso quando uma amiga me falou que seu filho havia pedido sugestões de "rituais para crianças", mas é verdade que a comunidade não cristão vem crescendo e novas formas de família vão surgindo, inclusive as comunidades politeístas. Há pelo menos umas três famílias de amigos do meu convívio próximo que educam seus filhos em moldes de vida que não aqueles cristão, sejam eles celtibéricos, reconstrucionistas helênicos, kemetistas ou puramente "pagãos" na concepção mais comum do termo. 

Mas chega de teorizações. A questão que me foi proposta era de dar pequenas soluções para celebrações que pudessem ser feitas com crianças ou em que elas pudessem ser inseridas. Observando a historiografia helênica não é difícil de ver a criança envolvida na vida religiosa, para citar alguns momentos: onomatodosia (a celebração de imposição do nome da criança feito pelos pais e paranymphos), Anthesterias (onde as crianças são especialmente envolvidas, sendo entendidas não só como símbolo de fertilidade, mas como representação do crescimento da comunidade), Kourotrophos  (as celebrações gerais dessas divindades ligadas ao cuidado da criança e sua educação). 

Os pais com os pequenos

Estes exemplos mostram que a criança está constantemente envolvida na vida religiosa, ao menos no contexto helênico que é o foco deste blog. No ambiente contemporâneo alternativas de reconstrução e inserção das crianças não são difíceis. Para os pais que desejam envolver seus filhos nas atividades rituais e nos festivais¹, por exemplo, há uma série de funções que podem ser atribuídas as crianças, tais como o carregador da água ou da oferta, o portador da khernips, e para o caso de crianças mais sensíveis e que tenham alguma experiência com oráculos, até mesmo a função de mantis; além dessas funções acredito ser saudável  e importante que haja espaços para a criança mostrar sua relação para com os deuses, sendo assim ela pode fazer suas ofertas e libações junto com os pais ou responsáveis. 

Um fator que acredito ser bastante relevante é oferecer a criança a oportunidade que ela monte seu próprio altar. O altar é um espaço bastante pessoal que não pertence a quem o monta, mas sim para quem se monta. Sendo assim, a sacralidade que o envolve não está apenas pelo que se coloca, mas no porque se coloca, ou seja: para dar. Nesse sentido entendo que essa devesse ser uma atividade própria da criança e livre, ou seja, é bom que os pais evitem a típica mania reconstrucionista que deseja prezar sempre pela coerência dos símbolos e fatos e deixar que a criança monte o altar com os elementos que simbolizam a sua própria relação  com os deuses. Nem sempre  o que comove ou significa para a criança é o símbolo mais óbvio. A criança pode representar Posídon, por exemplo, com uma estrela do mar, tridente, barco, pedra, um golfinho, cavalo,  ou apenas com um copo de água. Há de se ter flexibilidade para que a criança desenvolva sua experiência com os deuses e construa seus conhecimentos a medida que vai aprendendo e vivênciando essa visão de mundo. 

As crianças com os deuses
São inúmeras as atividades que as crianças podem desenvolver no seu culto pessoal para com os deuses, a seguir faço algumas sugestões.
  • Desenhos: Desenhos são ótimas ofertas votivas e podem ser feitas por crianças de quase todas as idades. Além de expressar sua relação com os deuses e os seu sentimentos para com eles, eles podem ser usados nos altares como forma de representação em substituição a estátuas e imagens tipificadas por exemplo. Além disso podem ser montados cadernos de desenhos que podem servir de guia para representações ou como espécie de histórias em quadrinhos contando mitos sobre os deuses ou heróis que em determinados momentos podem ser ofertados.
  • Representações: O teatro e toda forma de representação é central nas atividades de culto. Em certa medida, todo ritual ou festival é a reencenação de um mito, ou seja, uma representação mais ou menos teatralizada de algo que é importante para a comunidade. As crianças podem elaborar pequenas peças ou contações de histórias para as outras pessoas (inclusive os pais) com mitos e histórias envolvendo deuses, heróis e daemons. 
  • Escrita: assim como o desenho, a escrita é um excelente presente votimo. Poemas, canções, histórias podem ser ofertados aos deuses em qualquer momento. 
  • Modelagem: crianças menores podem usar massa de modelar e as maiores argilas para confeccionar imagens dos seus deuses preferidas e depois usá-las em seus altares ou ofertá-las como peças votivas.
  • Memórias: O registro da memória da família é muito importante, pois a noção de Ôikos, a casa-família é outra base não só da ética helênica, como também da religião civil e doméstica, para isso basta lembrar que os deuses se organizam como uma família. Uma sugestão que dou é que a criança seja responsável pelo registro dessas atividades e acontecimentos que são importantes para a sua própria história como também da família. Um baú pode ser confeccionado e devotado a Héstia e Zeus com essa finalidade.


Modelo Simplificado de Ritual para Crianças
A libação é o ato mais simples e um dos mais significativos que pode se executado pelas crianças. Para isto basta que a criança escolha algum líquido a ser ofertado: suco, água, vinho, leite, mel, azeite ou óleos. Em seguida: 
  • Cante uma canção para Héstia ou caso seja maior ela pode recitar o Hino Homérico a Héstia
  • Derrame uma parte do líquido para Héstia
  • Conte uma história, recite um poema ou cante uma música que lembre ou mencione o deus que se pretende homenagear e ....
  • verta-se o restante do líquido oferecendo-o para este deus ou deusa. 
  • e por fim agradecer a Héstia e aos deuses. 


A seguir um pequeno modelo mais completo de ritual que pode ser seguido pelas crianças.  
  • Acenda uma vela e faça uma pequena prece para Héstia
  • Com uma bacia de água, faça a bênção da água e limpe o lugar.
  • Conte uma história, recite um poema, ou cante uma música que lembre  Héstia e outra mais para o(s) deus ou a(s) deusa que será(ão) homenageado(s). 
  • Apresente suas ofertas ou oferendas; podem ser frutas, bolos, seus desenhos, músicas, etc. 
  • Faça uma libação, vertendo algum líquido no solo.
  • Acenda um incenso e agradeça.
Após isso pode-se fazer uma celebração, uma verdadeira festa envolvendo a criança e a família. Nos preparativos todos podem participar e colaborar, por exemplo, na preparação do bolo, de doces, salgadinhos e na decoração. 


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¹ Texto escrito a pedido do meu sobrinho, Pipe
² Num aspecto amplo as crianças podem ser envolvidas em quase todas as celebrações e festivais do mundo helênico, exceto alguns festivais de Dioniso e Deméter.
* fotos retiradas dos sites do YSEE e Delphýs

Um comentário:

  1. Eu AMEI!!!! E sou grata, no mais profundo do meu ser até o mais mundano dele, eu sou grata!

    tudo tem seus tempos, dois anos atrás eles ainda não estavam no tempo de pedir ritos, hoje eles manifestam necessidade!

    mto amor de todos aqui para ti!!!


    amor,

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