sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Sete Livros que todo iniciante (ou não) deveria ler

Por que ler os modernos?

Geralmente nos perguntamos ou somos perguntados das razões que justificariam em um mundo moderno e  muitas vezes distantes da Antiguidade ler autores como Homero, Platão, Aristóteles, Tucídedes, Ésquilo, Eurípedes, enfim nomes da literatura e da filosofia helênica que de alguma modo, cada um com sua devida porção, contribuiu para a criação de uma noção de "ocidente" que persiste até hoje. A partir de uma perspectiva reconstrucionista a leitura dos clássicos é um momento importante, já que estes autores são fontes privilegiadas para o estudo da religião, história, do pensamento e da vida na Antiguidade, foram testemunhas e são representantes de um momento de esplendor para os povos da Antiguidade. Todavia, o exercício que proponho aqui é um levemente diferente. Tomando como base minhas leituras e autores preferidos, apresento aos leitores deste post uma lista trabalhos que, por razões diversas, me inspiram e podem oferecer ao leitor moderno um ponto de conciliação com os clássicos na medida em que estão repletos de pistas (e labirintos) para o entendimento da religião e da vida social na Hélada antiga.

Além de tentar tornar público alguns trabalhos de helenistas por vezes nem tão conhecidos, essa lista deve ser vista como uma certa "linhagem" que eu acredito ser pertinente a cada devoto em suas leituras e práticas pessoais. Adianto que minha formação está tanto mais voltada para a história social e uma certa mistura entre antropologia e arqueologia do que propriamente para a literatura (que eu acredito ser a linhagem do Jota Oliveira) ou para a teologia e psicologia (que eu acredito ser a linhagem da Alexandra Oliveira). A pretensão aqui não é academicista, pois, como se verá, ainda que pertencentes à instituições acadêmicas, há uma certa bossa e estilo que desenvolvem certo estilo nas análises de cada um dos autores. Pois bem, vamos à lista!


Os Deuses da Grécia (Walter Otto)

Sem dúvida a leitura mais vibrante e apaixonada sobre os deuses gregos já publicada por um acadêmico. Essa mesma paixão e estilo ousado impresso por Otto na análise dos mitos e da representação dos deuses na épica clássica foram a maior crítica que o autor recebeu em seu período, entre o fim do século XIX e metade do século XX.  A leitura de Otto é feita principalmente a partir dos épicos homéricos e sua proximidade com a literatura alemã, em especial Goethe, Schiller e Hölderlin. A influência clássica na Alemanha aparece na obra de Otto como um jogo de retribuição. Me interessa e encanta particularmente as análises sobre os deuses na primeira parte do livro, ainda que na sua interpretação sobre a "essência" e a forma do divino frente os gregos por vezes me incomodem, mas nem por isso a obra perde o seu brio e inteligência. 

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Ancient Greek Religion (Jon D. Mikalson)
Ao que parece a ideia de escrever manuais introdutórios acabou pro gerar alguns dos melhores trabalhos sobre a vida religiosa na Grécia desde os anos 1980. Esse é o caso do Greek Religion, do Burkert, e deste trabalho do Jon D. Mikalson publicado pela primeira vez em 2005. O que mais me interessa e chama a atenção no trabalho de Mikalson é a especialização na região da Ática, assumindo desde j´que sua pretensão não é uma história geral que ignore as impossibilidades e dificuldades geográficas. Ainda que saibamos que a maior parte das fontes que temos sobre a Hélada sejam na região da Ática, e que saibamos também da relativa independência entre demos e regiões, essas considerações são por vezes ignoradas na tentativa de construir uma imagem da vida religiosa na Grécia como ela nunca foi: homogênea. Mikalson assume que essa não é uma imagem válida e tenta então desenvolver um estudo detalhado da religião na Ática a partir do período clássico até os primeiros momentos do período helenístico. 


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Greek Religion (Walter Burkert)

Um dos mais competentes helenistas contemporâneos,  Walter Burkert combina de forma magistral elementos do estruturalismo e da Escola de Cambridge, sendo responsável pela reconciliação entre aspectos do rito e os usos do mito na história da religião. "Greek Religion" foi originalmente publicado em alemão em meados da década de 1980 e traduzido para o inglês pouco tempo depois. Para o português há uma edição em português de Portugal publicada pela editora Calouste Gulbenkian - pouco acessível para o leitor brasileiro. Essa obra é uma referência e leitura obrigatória para qualquer helenista reunindo fontes e análises profundas sobre a história da religião grega desde o período minoico até o período clássico. Ainda que o passado minoico não seja o foco do livro, há ali algumas importantes contribuições sobre os aspectos gerais do culto pré-helênico e que subsistiram no substrato da religião do continente nos períodos arcaico e clássico. Outro diferencial da obra é a ampla perspectiva e habilidade do Burkert na exposição de seus argumentos e o uso de diversas fontes: etimológicas, arqueológicas, literárias, filosóficas: o passeio inicia-se na Creta minoica e na passagem para o Continente e finaliza com uma instigante discussão sobre a religião filosófica nos momentos iniciais da época helenística. Outro ponto que me fascina na obra é o posicionamento explícito do Burkert no que se refere às pretensões do seu trabalho, característica que também se repetem no Mikalson e no Otto. 

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 Mito e Religião na Grécia Antiga (Jean-Pierre Vernant)
Após longa resistência o Vernant me cativou pela simplicidade eloquente de seu texto. Até a leitura desse pequeno volume, a úncia coisa que havia lido até então era "As Origens do Pensamento Grego", uma obra interessante e que considero uma referência, mas demasiado densa e cansativa - ou ao menos era no momento em que a li. Em "Mito e Religião na Grécia Antiga" Vernant desenha com sutileza e interesse um quadro vivo da religião civil e da relação ora tensa, oral gloriosa que o indivíduo ocupa no diálogo com a Pólis e com os deuses. É uma leitura acessível e interessante, sem dúvida recomendável para qualquer iniciante ou interessado no Helenismo. 




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Ancient Greek Cults: a guide (Jennifer Larson)
Jennifer Larson talvez não seja a acadêmica mais conhecida pelos helenos modernos, mas seus trabalhos tem uma contribuição particular para a religião grega. Em geral o Helenismo é vinculado ao modo de vida da pólis, o que é bastante conveniente para pensarmos uma prática religiosa em contextos urbanos - a realidade da maioria dos adeptos do Helenismo. Larson põe essa representação em perspectiva e elabora uma imagem da pólis não como a cidade contemporânea, mas como um espaço que se desenvolve em conjunto com o meio natural, reelaborando ou abrindo espaço para se pensar cultos e deuses que escapam à grandiosidade dos festivais. Essa é a característica daquela que me parece ser sua obra mais famosa "Greek Nymphs: myth, cult, lore" mas que em Ancient Greek Cults não é tão presente. Contudo, o valor dessa última obra é a análise detalhada sobre o culto de cada um dos deuses que Larson pretende analisar, as vezes de forma extenuante, epíteto a epíteto, demos a demos. 

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Os Heróis Gregos (Karl Kérenyi)
Eis aqui uma das mais representativas contribuições do estruturalismo e da psicologia analística de Jung para o estudo da religião e da mitologia gregas. Karl Kérenyi é daqueles pensadores que esmiuça mito a mito, palavra a palavra e a partir daí constrói modelos amplos e detalhados das relações entre mitologia e ritual - uma herança compartilhada também pelo Burkert, como disse acima, só que agora com elementos da psicologia analítica e da teoria dos arquétipos. Nessa perspectiva Kérenyi publicou trabalhos muito interessantes, entre eles Dioniso: Imagem arquetípica da vida indestrutível (publicado no Brasil pela editora Odysseus) e Eleusis (sem tradução em espanhol). Contudo, escolhi aqui uma obra que passa despercebida pela aparente simplicidade que traz: Heróis Gregos, assim como Deuses Gregos (publicados em português no início da década de 1990 pela editora Cultrix / Pensamento) parece ser mais uma coletânea de mitos como tantas outras disponível, e de fato, é isso que ela é. Uma magistral coletânea que mistura análises sutis e profundas a uma narrativa cativante.


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7 - Θύραθεν ΦΙΛΟΣΟΦΙΚΟ ΛΕΞΙΚΟ / English Lexicon of Standard Terminology for Hellenismos (Vlassis Rassias)

Vlassis Rassias é um dos fundadores do YSEE (Supremo Conselho dos Gentis Helenos), o maior e mais importante grupo helênico no mundo com sede em Atenas, na Grécia e em funcionamento desde 1997. Seus trabalhos geralmente articulam religião e filosofia a partir de um debate sobre as contribuições da moral Helênica para uma vida virtuosa. A obra que apresento aqui não contempla essa faceta do trabalho do Rassias; trata-se de um glossário, um compêndio dos principais conceitos usados nas discussões religiosas, filosóficas e políticas da Hélada antiga acompanhada de sua explicação e a forma como tem sido traduzida e empregada no inglês moderno. Um guia de referência de valor inestimável.


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