sábado, 2 de outubro de 2010

Senta aí que vamos falar sobre sexo

Esse é um blog sobre religiosidade helênica sim, só que religião não é um sistema social isolado do resto da vida. Essa visão que nós aprendemos na escola das coisas, tudo muito marcado, tudo muito distinto e separado é muito diferente da nossa realidade. Religião, política, sexo, humor, tradições, ética... são coisas que estão completametne interrelacionadas a tal ponto que qualquer uma delas poderia falar sobre as demais sem qualquer problema.

Mas do que sexo, pretendo aqui falar um pouco sobre sexualidade e questões políticas que costuram essas temáticas: sexo, sexualidade, orientação sexual, religiosidade, estado de direitos, estética.. E isso tudo porque me incomoda profundamente essa visão que perambula pelo mundo da sexualidade helênica da antiguidade como  uma verdadeira orgia (no sentido vulgar do termo), uma putaria geral, onde todo mundo era gay e todo mundo comia todo mundo. Os de coração fraco que me perdoem, mas creio que os leitores desse blog são pessoas inteligentes e bem resolvidas, e sendo assim, usarei do palavreado que me convier, quando achar necessário.

Pra início de conversa, a sexualidade grega é bem mais complexa e bem mais diversa do que se pensa; enquanto se fala muito da questão homoafetiva ou pederastia, na concepção histórica do termo, esquecemos muitos outros elementos que são fundamentais, a exemplo das concepções de amor, da amizade, do casamento, do sexo como profissão e como "castigo"...  que eu pretendo abordar nesse breve espaço.

É um argumento que eu uso muito, ams que é fundamental na concepção de toda produção cultura lgregas:o fato de que a antiga Hélada, a nossa Grécia, não era um estado unificado, um país ou uma nação no conceito moderno, mas sim um agregado de cidade-estados, com uma estrutura cultural e política distinta e com aspectos religiosos e linguísticos que apesar de apresentarem um núcleo semelhante, também apresentavam variações de um lugar para outro,mas que os unia.

Então é o caso de se dizer que não haveria uma única forma de entender a sexualidade, pelo simples fato dela se manifestar segundo aspectos culturais que eram diversificados e por pessoas das mais diferentes origens em constante interrelação. Mas o que podemos abordar são os aspectos gerais dessa sexualidade, vez por outra apontando aspectos específicos. 

Comecemos pelo amor... amor não era (e ainda assim não é) uma condição fundamental para o sexo ou para o casamento na Grécia arcaica e clássica. Fazia-se sexo por puro desejo, ou por amor, ou por vontade, ou por necessidade. O casamento nesse contexto funda-se essecialmente com uma instituição de aspecto político e social, mas não necessariamente afetivo. O casamento em grande parte das polieis era uma forma de se ter filhos autênticos gerados por cidadãos, e assim garantir a continuidada da vida em comunidade, das frátrias. E considerando esses aspectos, são muitos comuns os festivais que visam por um lado, reconhecer esses filhos autênticos, legítimos, prepará-los e inseri-los para a vida na comunidade, mas também há os festivais que têm como objetivo acolher e dar o mínimo de assistência aos  filhos bastardos, frutos de casamentos não possíveis ou ilegítimos. 

Pois se por um lado o casamento era unicamente um acordo, por outro havia sim o sexo visto como uma atividade prazerosa (alguns a condenando  e outros a glorificando).  Assim aparecem as figuras das hetarias e pornoi/pornai; personagens fundamentais para a compreensão da sexualidade grega. A prostituição é listada entre os gregos como uma profissão como qualquer outra, existindo não só prostitutas mulheres, como homens também, conforme aparecem representadas por diversos autores como por exemplo aparecem nios diálogos de Sócrates, ou nos textos de Estrabão e nas peças de Xenofontes. É preciso também que se faça uma rápida distinção entre as pornai e as hetarias. As pornais geralmente eram escravas ou cativas de guerra; eram as prostitutas mais baratas que em muitos casos ficavam sob a tutela de um proxenata em pequenos albergues que na altura da antiguidade eram chamados de pornoboskós, algo como um prostíbulo. Já as hetarias eram mulheres independentes, muitas vezes com certo conhecimento de épica, filosofia, ginástica ou gramática, bem como tocadoras de instrumentos, e que na hierarquia social eram bem mais reconhecidas e valorizadas. A história menciona inúmeras hetarias famosas, como por exemplo Aspasia, que foi amante de Péricles, Teodota e Finés, sendo esta última modelo de Praxtíteles para a Afrodite Cnido. 
A prostituição masculina existia, sendo requisitada por homens e mulheres, porém há poucos registros para esse fato, sendo a mais conhecida aquela feita por Xenofontes na peça Pluto. Além da prostituição masculina, outro fato nesse universo pouco registrado, mas que se tem conhecimento é a prostituição sagrada. Em suma, o que se sabe é que alguns templos, em especial os templo de Afrodite em colônias distantes e o de Corinto albergava inúmeras prostitutas, sendo inclusive reconhecido a oferta feita por um cidadão chamando Xenofonte (não o trágico) que ao vencer as provas de pantatlo e corrida darante os Jogos Olímpicos fez o aferta de cem mulheres para o templo de Afrodite em Corinto.  Outra questão relevante no estudo da sexualidade helênica é a estética. Aos primeiros olhares, quem analisa as representações de prostitutas e até mesmos de pessoas comuns da Grécia Antiga, inclusive em  algumas estátuas, pode deparar-se com padrões de beleza destoantes da beleza clássica defendida pelos gregos. Nesse caso é preciso que se compreenda a beleza como um produto histórico. Cada cultura elabora para si padrões de beleza que lhe são convenientes e que corroboram com as suas crenças. É dessa forma que hoje em dia temos um padrão de beleza que circula o andrógino, a alguns anos a magreza feminina, já durante a Renascença a gordura aparece como ideal de beleza e da mesma forma na Pré-História, bem como durante à Idade Clássica, criou-se a idéia de belo como equilíbrio nas proporções (e até mesmo no espírito, na inteligência e na alma, segundo alguns). 

A questão da homossexualidade é ainda mais polêmica. É recorrente o pensamento de que na Grécia clássica a homossexualidade era comum, porém eu sou do partido que só se pode classificar aquilo que é possível, e se pensarmos que definições como 'heterossexualidade', 'homossexualidade' foram criados por volta do século XIX... XX e termos como 'bissexualidade' e 'pansexualidade' serem mais recentes ainda não se pode dizer que os gregos fossem gays ou heterossexuais ou bissexuais que fosse, visto que esse sistema de classificação não caberia ou seria adequado historicamente. Podemos sim mencionar que havia o predomínio de certo padrão, mas nem isso pode ser atestado como verdade absoluta.
A Pederastia, que mais uma vez caiu no censo cumum e acabou por perder todo seu campo de signifgicação primitava, passando a palavra designar o abuso de crianças por adultos do mesmo sexo, e a própria idéia de pederastia em homossexualidade, quando na verdade não é bem assim. A Pederastia aparece na história Grega como um sistema de apóio à educação. A partir de certa idade um jovem cidadão poderia ser "adotado" por outro mais velho, a fim de que este ensinasse artes militares, a vida em sociedade, hábitos masculinos entre outros, podendo-se até mencionar a atividade sexual. Nesse ponto não se pode determinar se havia ou não relacionamentos sexuais, por mais natural que isso possa parecer, pois em algumas cidades há leis que proíbem o abuso do menor, o eromenos. Há ainda registros de que a posição passiva durante o ato sexual era vista como uma redução do vigor masculino, sendo um grande insulto ser chamado como "frouxo", "folgado" em termos correspondentes aos dialetos locais. Porém, eu sugiro que esses xingamentos sejam vistos de outra forma, não como uma degradação do ato sexual, valorizando ou menosprezando a posição de um ou outro parceiro, mas sim como um xingamento necessário para que não se exponha a intimidade do casal. Se considerarmos que Hera, a deusa do casamento era uma deusa intimamente relacionada ao decoro, expor as relações sexuais do casal, era um erro que não caberia, e que merecia sim, punição.
Já do outro lado dessas correntes, era possível em algumas cidades da Grécia o casamento entre pessoas do mesmo sexo, algumas em termos explícitos, outras não. Na antiguidade havia verdadeiras competições por alguns eromenos. Para algumas famílias, era até conveniente que o seu filho tivesse relações com um erastes de alto prestígio, visando assim a ascedência desse. Alguns historiadores afirmam que o aspecto estético da pederastia era muito frequente, mas era essencialmente uma instituição social, fundamental, de modo que, segundo Platão, era algo que diferenciava os gregos dos bárbaros. Ainda sobre a pederastia, é preciso que se diga, sendo alguns historiadores, é uma instituição que ultrapassou os limites da Grécia, sendo encontrados indícios não só no mundo helênico, mas em diversas partes do mundo antigo e fora dele,  a exemplo da Coréia, Japão, China e no próprio Oriente Médio. 

Outra questão de grande confusão é a homossexualidade feminina. Em geral, o idel grego de mulher era marcado por um certo decoro doméstico. As ruas não eram lugar para uma mulher "decente", e quando casada, pouco se permitia que fosse além de sua casa, sendo ela a responsável pela manutenção da mesma e do cuidado da família. O acesso à educação era restrito, sendo em algums polieis muito comum, enquanto em outras um grande tabu. Basta que se mencione o caso de Sapho de Lesvos, que não se sabe ao certo, tinha grande afeição por suas alunas a ponto de ter relações sexuais com elas. Mas como o lado "sujo" de todao história acaba sendo o que ganha mais destaque, acabou-se por identificar Lesvos como a ilha das lésbicas, vindo o próprio termo do nome da ilha.

O que se pode dizer hoje em dia, sobre o a homossexualidade e sobre o casamento, é que cada pessoa tem total responsabilidade sobre suas escolhas, obedecendo a certos padroes éticos, que no nosso casos incluem as Máximas Délficas e os conselhos de Solón. Sendo o casamento uma instituição religiosa, cabe à cada organização definir se ele seria ou não possível dentro de suas crenças. Já com relação aos direitos civís para a união civil reconhecida, é algo que está para além do campo religioso, o que deve-se diver como uma grande vantagem, visto que a grande maioria das instituições religiosas que são maioria do mundo contemporâneo são contra a união civil homoafetiva. Já com relação às mulheres, o que defemos é o pleno exercício de seus direitos e a igualdade de condições para homens e mulheres, de todas as etnias e idades.

É evidente que há uma série de outros temas que não foram abordados no pequeno espaço desse artigo, até porque não seria possível, mas o que se pretendeu aqui foi fazer uma breve explanação história e um posicionamento de geral de minhas opiniões, que de certo modo confluenm com as opiniões do movimento reconstrucionista helênico no Brasil.

__________________________________________________________
Crédito das Imagens:
1 - relevo de moeda expondo Afrodite de Cnido, de Praxíteles
2 - Afresco mostrando erastei e eromenoi num Symposium do século V AEC 

Recomendações de Leituras:
Amor, Sexo e Casamento na Grécia Antiga, Nikolaos Vrissimtzis ( Ed. Odysseus)

Nenhum comentário:

Postar um comentário