terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Meme #4 e #29- Pensar e fazer: o lugar da ortopraxia

Um dos males da religiosidade moderna é a sua própria crise. Acredito eu que após os conflitos mundiais do último século o homem, especialmente o homem ocidental, tomou consciência da sua animalidade e mais ainda de seu potencial destrutivo. O momento posterior a isso foi uma tentativa de revitalização da fé, o que não foi suficiente talvez porque os fatos eram alarmantes demais para serem esquecidos, ou confortados com os modelos de fé que prevaleciam até então.

A maior consequência do pós-guerra para a humanidade foi a descrença. Todavia, como já diz a música do Pato Fu 'as pessoas tem que acreditar em forças invisíveis para fazer o bem' e é sob esse ponto de vista que surgem organismos internacionais responsáveis para manter a ordem e a paz mundial. Mas, retornando à questão religiosa, é após a segunda Guerra Mundial e durante a Guerra Fria que se inicia uma onda de 'espiritualização', de forma mais abrangente e expressiva nos anos 1960 e 1970. 

A aversão a ordem social comum é tomada como uma forma de ressignificar o mundo para devolvê-lo a sua 'natureza selvagem' e aqui nasce o grande dilema da religiosade contemporânea que é a espiritualidade. Há os que vem essas duas como a mesma coisa e outros que como distintas, eu particularmente acredito que ambas estejam tão estritamente interligadas que se confundem, mas nem por isso são a mesma coisa. Como reconstrucionista não posso negligenciar a importância que uma religião organizada exerce em minha vida e como esta é importante. Todavia a espiritualidade é justamente a aversão a essa ordem que é necessária a uma religião; ela constitui-se justamente da escolha do indivíduo por orienta-se daquilo que lhe é pertinente em dado momento da sua vida, o que não é até certo ponto errado, afinal, tudo é uma escolha. Mas há um momento em que estas escolhas tornam-se um gesto de egoísmo e aproveitamente, e esse momento é quando nossas escolhas tomam por princípio único nosso favorecimento. Ora, isso é negligência com a ordem natural das coisas, afinal, nem sempre o que queremos é o certo ou o possível de acontecer. E é esse meu entrave com esse tal espiritualidade banalizada do mundo pós-moderno. 
 
Religião e ética estão profundamente conectadas. Como já disse o Sannion, se religão é fazer a coisa certa para os deuses, ética é fazer a coisa certa para os outros, e não há aqui nenhum gesto de subserviência a que se possa ter medo, pelo contrário, aqui encontramos refletivos um valor fundamental dos princípios helênicos: a reciprocidade - a Kháris. 

Dentro da própria Kháris encontro uma diferença substancial que sustena o Hellenismos enquando crença passível de mudar o mundo: a ortopraxia, ou seja, a disponibilidade para fazer a coisa certa. Isso implica mais ou menos em dizer o seguinte: não nos interessa mais o que você acredita do que o que você faz. Pode parecer uma diferença pequena, mas é essa uma distinção fundamental.

Então a mensagem é curta e grossa, sem gugu-dadá: verdade em vossos corações e força em vossos braços. Seu trabalho e dedicação para com os deuses diz mais do seu sentimento do que ignorar qualquer coisa por esta parecer pequena demais. O menor abraço cotidiano é maior do que o maior festival milenar.

3 comentários:

  1. Ações dizem mais do que palavras. Idéias mudam, fatos permanecem.

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  2. Thiago,
    seu texto veio a calhar com uma reflexão que fiz recentemente a respeito da ética proposta pelo Hellenismos. Concordo com sua visão no que diz respeito à espiritualidade contemporânea e aprovo sua visão a respeito da mentalidade pós-guerra e do mundo após a Guerra Fria.
    A visão equilibrada sobre a ética é o que mais me chama atenção no RH.

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  3. Adorei! E o finalzinho reforçou o que eu disse no post da DR no Sofá. ;)

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