segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Carta Aberta ao Diário do ABC - Diarinho

A seguir, compartilho um texto da colega exegetes Sarah Helena onde são expostas algumas considerações sobre a forma como a imprensa paulista tem tratado a temática da diversidade religiosa. Para ler o texto a que a autora se refere, clique AQUI.
Vejo a chamada, falando sobre nem todos comemorarem o Natal. Fico feliz, imaginando que vou encontrar um exercício de tolerância religiosa. E no entanto, me deparo com um pesadelo e a dificuldade em explicar para meu filho de seis anos, leitor do Diarinho, porque fomos excluidos do conceito de religiosidade do jornal.
"Todos podem ser amigos de DEUS"
Assim, "gritando" porque caixa alta desde os primórdios da internet significa grito. Assim, no singular. Desrespeitando nossa religião,politeísta, que crê em muitos Deuses. Politeísmo partilhado pelos hinduístas, que como nós creem em uma miríade de Deuses. Excluindo também toda a população wiccana, duoteísta, com sua Deusa e Deus.
Não basta isso. O texto segue "Deus é um só." Mais uma vez, negando a realidade de centenas de sistemas religiosos que não são monoteístas. Como explico para minha criança que as religiões dominantes no ocidente enxergam as pessoas de fés diferentes como inferiores? Porque foi assim que nós nos sentimos. Inferiorizados. Tratados como se nossa fé fosse algo que não merece a consideração do jornal que assinamos. Como posso dizer para meu filho respeitar os outros, quando somos vítimas de desrespeito até sentados na mesa do café da manhã quando abrimos um jornal?
E como preconceito pouco é bobagem, terminam com uma definição de fé novamente excludente e preconceituosa, agora contra os ateus, lembrando que as pessoas que se declaram sem religião no Brasil são 30%, e que mesmo assim vivemos um momento em que ateus são perseguidos brutalmente. "Sem fé, perdemos a coragem de enfrentar as dificuldades e lutar por um mundo melhor."
Fiquei chocada e decepcionada. Como o Diarinho, ao se propor a fazer uma matéria tolerante, pode cair tão fácil na armadilha da falsa tolerância, que só ouve o que tem vontade, que só respeita se não for tão diferente assim? Porque foi ouvido um membro da umbanda, que é cristã,mas não do candomblé, não cristão? Porque só as religiões que aceitam o monoteísmo foram consideradas religiões dignas de nota?
Como eu posso explicar para o meu filho de seis anos de idade que ele não pode esperar das pessoas outra coisa que não preconceito e ridicularização por termos uma fé diferente? Se já não fosse ruim o bastante ter medo de declarar sua fé porque sabe que será tratado mal, até dentro de casa seremos vítimas?
Vivemos em um país onde ateus e não cristãos tem medo. Onde seu emprego pode ficar em risco por sua fé ou falta de fé, onde ser ateu ou não cristão te faz vítima de bullying. E o Diarinho corroborou com essa ideia. Porque só existe um deus e quem não tem fé não tenta fazer do mundo um lugar melhor. Justifica o preconceito tentando se fingir de tolerante, quando mesmo no quadro que diz que se deve respeitar o outro, novamente se fala de Deus, masculino singular. Quem se importa com politeístas e ateus, afinal? Eles não merecem tolerância, pelo que transparece no texto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário