quarta-feira, 13 de abril de 2011

Civismo, Mundo Moderno e o Culto dos Heróis


As relações entre o civismo no mundo moderno e o culto religioso, em especial no Hellenismos é uma questão que já há algum tempo vem me provocando discussões. Como reconstrucionista, reconheço as limitações não só de bibliografia e estudos sobre o fato, como também de um posicionamento da comunidade praticante no sentido de propor soluções ou de expor o problema de acordo com as especificidades de cada grupo.

O aspecto cívico é totalmente inerente ao Hellenismos; além de ser um culto da urbe, ou seja, com características muito mais urbanas que rurais, é parte também do Hellenismos esse aspecto que vincula a religião às questões do estado e da comunidade, remetendo portanto ao civismo, em especial no culto aos heróis locais ou pan-helênicos. Os festivais por si só já são um ato cíveil. O momento do festival é um momento civil, onde toda a comunidade se reúne para festejar e celebrar algo que é importante para todos e que por isso, deve ser feito, homenageado ou relembrado.

A noção de herói vai muito além daquela tradicional, romantizada, e no campo da religião ainda carecemos de uma definição satisfatória. Em termos práticos, podemos dizer que na mitologia, herói se refere a todo personagem de algum mito, o que vai contra a visão tradicional de herói perpetuada pela literatura que o caracteriza como o mocinho, causador de boas ações, se observarmos como heróis figuras que causam algum dano, como por exemplo, Clitemnestra, que cometeu o assassinato do seu marido. Todavia esses dilemas morais que envolvem a figura do herói não são o foco deste texto, mas sim os feitos que os levaram a ser entendidos como heróis e cultuados por certas comunidades. 

Além dessa dimensão de heróis consagrados pela mitologia, há a dimensão cultual, com todas as suas especificidades tão comentadas e repetidas, visto o contexto das comunidades helênicas na época arcaica e clássica. Nessas comunidades em geral, havia o culto de um herói (ou mais), como por exemplo os cultos de Melampo, Hipólito ou Mounikhos, como apontam Walter Burket, Carl Kerényi e tantos outros helenistas e estudiosos da cultura helênica. 

A questão que nos importa é que esses heróis eram cultuados pela relevância que suas ações tinham causado nas comunidades em que vivam, como por exemplo Teseu que era cultuado na Ática, que além de governar a pólis, também foi o unificador das colônias da Ática. 

Acredito que além dessa dimensão de culto aos heróis pan-helênicos, ou dos heróis dito menores que de algum forma são significativos para alguém, há ainda a problemática de reconstruir essas práticas no mundo contemporâneo. Como já dito, a marca fundamental do culto heróico é a relevância dos atos de um determinado alguém, dito posteriormente herói., para uma comunidade. Como fazer isso no caso do Brasil, por exemplo, ou de qualquer outra comunidade helênica que não tem a Grécia como berço? E mesmo que fosse a Grécia, acredito que as discrepâncias de tempo também seria interferências necessárias a serem consideradas. 

Lembrando de um texto introdutório do Sannion, representante do movimento reconstrucionista alexandrino, expando a questão. Argumentando sobre o ritmo de aprendizagem e introdução nas práticas do Hellenismos ele aponta: 
A próxima coisa, depois de conhecer os rituais oficiais, seria criar os seus próprios, e segui-los. Pense na sua vida. Quando foi que você sentiu o chamado de um deus? Foi em alguma data em especial? Há algum aspecto deles que você quer honrar ou um mito que você quer comemorar? Qual é o ciclo agrário da região onde você vive? (Afinal, para que celebrar a colheita da uva se na sua terra a vinha ainda nem amadureceu, ou celebrar a festa das flores quando seu jardim está encoberto pela neve?) O que os festivais antigos representavam? Como você obter o mesmo efeito sem ter centenas de pessoas para entrar numa procissão ou uma hecatombe de bois para oferecer a Zeus ou uma estátua enorme de Atena para costurar um “peplos” ou um porto de onde seguir em um cortejo náutico? Há várias coisas que se pode fazer com os recursos limitados. (tradução de Alexandra Nikasios, texto integral aqui )
 Como o próprio Sannion aponta, o problema aqui questionado não é tão somente (ou principalmente) uma questão que deva ser resolvida por toda a comunidade, mas, acredito eu, uma reflexão fundamental. O culto heróico era tão importante quanto aquele dedicado aos deuses, e como deixa entender o autor, a coerência entre o que se faz e o que se acredita é muito significativa. O que os festivais representam, quais os símbolos que me tocam? Religião não é, no caso do Hellenismos, um problema de fé, mas sim de lógica. Como diz a Alexandra Nikasios num texto recente, religião não tem a ver com fé, mas sim com lógica. Acreditamos em algo porque isso para nós é lógico. É lógico para mim haver em qualquer conflito duas partes distintas, a estratégia e a violência, mas que estão em constante interação e interdependência, talvez por terem a mesma origem, que é a busca por manter a ordem, e a isso eu chamo de Zeus, pai dos deuses e dos homens, e Ares e Athena, seus filhos, cada um com suas responsabilidades e papéis nesse processo. Receber bem um estrangeiro (e entenda-se aqui qualquer pessoa de fora da casa, não necessariamente a alguém de outro país) porque isso para mim, além de um dever religioso, é natural ao ser humano: a solidariedade, o saber acolher, esmo em tempos tão difíceis. 

Voltando aos heróis? Qual o lugar deles no mundo moderno, ou modalizando a questão, quais os heróis do mundo moderno ? Eles estão no nosso mundo? Gandhi, Tiradentes e tantos outros homens e mulheres que mudaram não só a história do Brasil, mas as histórias estaduais têm algum espaço na nossa vida religiosa? Qual ?


2 comentários:

  1. Gostei muito do seu post Petraios.
    Se não se importar muito gostaria que dê uma olhada no meu blog. Escrevi uma reflexão sofre o que li. ok
    encontrarsophia.blogspot.com

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